quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Sotaque das mineiras! Que nem torresmo...é ilegal, imoral ou engorda!



Gostoso, atrevido, tentador, mesmo que abreviado...o sotaque das mineiras soa  sedutor ...como torresmo. O texto leve e despretencioso de Felipe Peixoto Braga Netto, também! Torresmos!
   
 
"O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar...
Afinal, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar, sensual e lindo das moças de Minas ficou de fora? 
Porque, Deus, que sotaque!
Mineira devia nascer com tarja preta avisando: 'ouvi-la faz mal à saúde'.
Se uma mineira, falando mansinho,me pedir para assinar um contrato, doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: 'só isso?'.  
Assino, achando que ela me faz um favor...

Eu sou suspeitíssimo.
Confesso: esse sotaque me desarma.
Certa vez quase propus casamento à uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque.

Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas.

Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho.
Não dizem: pode parar, dizem: 'pó parar'
Não dizem: onde eu estou?, dizem: 'onde queu tô.'
Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem - lingüisticamente falando - apenas de uais, trens e sôs.

Digo-lhes que não.
Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade.
Fala que ele é bom de serviço.
Pouco importa que seja um juiz, um jogador de futebol ou um ator de filme pornô.
Se der no couro - metaforicamente falando, claro - ele é bom de serviço.
Faz sentido...
Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem.
Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: 'cê tá boa?'.
Para mim, isso é pleonasmo.
Perguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário...

Há outras.
Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada.
Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: - Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc).
O verbo 'mexer', para os mineiros, tem os mais amplos significados.

Quer dizer, por exemplo, trabalhar.
Se lhe perguntarem com o que você mexe, não fique ofendido.
Só querem saber o seu ofício.
Os mineiros também não gostam do verbo conseguir.
Aqui ninguém consegue nada.
Você não dá conta.
Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz: '- Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não, sô.'
Esse 'aqui' é outra delícia que só tem aqui.
É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase.
É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer 'olá, me escutem, por favor'.
É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.


Mineiras não dizem 'apaixonado por'.
Ouve-se a toda hora: 'Ah, eu apaixonei com ele...'
Ou: 'sou doida com ele' (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro). 
Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira.
Nada pessoal
Aqui certas regras não entram.
São barradas pelas montanhas.
Por exemplo: em Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer: - 'Eu preciso de ir..'
Onde os mineiros arrumaram esse 'de', aí no meio, é uma boa pergunta...

Só não me perguntem!
Mas que ele existe, existe.
Asseguro que sim, com escritura lavrada em cartório.


No
supermercado, o mineiro não faz muitas compras, ele compra um tanto de coisa...

O supermercado não estará lotado, ele terá um tanto de gente.
Se a fila do caixa não anda, é porque está agarrando lá na frente.
Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!

Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará: '- Ai, gente, que dó.'

É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras...

Não vem caçar confusão pro meu lado!  
Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro 'caça confusão'.
Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se fazer entendido, que ele 'vive caçando confusão'.

Ah, e tem o 'Capaz...'
Se você propõe algo a uma mineira, ela diz: 'capaz' !!!

Vocês já ouviram esse 'capaz'?
É lindo. Quer dizer o quê?

Sei lá, quer dizer 'ce acha que eu faço isso'!? - com algumas toneladas de ironia... 
Se você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá: 'ô dó dôcê'.
Entendeu? Não? Deixa para lá.

É parecido com o 'nem...' . Já ouviu o 'nem...'?
Completo ele fica: '- Ah, nem...'   
O que significa?
Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum.
Mas de jeito nenhum mesmo.
Você diz: 'Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no Mineirão?'.
Resposta: 'nem...'
Ainda não entendeu? Uai, nem é nem.

Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?

Preciso confessar algo: minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras.

Aliás, deslizes nada.
Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão.

Se você, em conversa, falar: 'Ah, fui lá comprar umas coisas...'..
- Que's coisa? - ela retrucará.
O plural dá um pulo.
Sai das coisas e vai para o 'que'!

Ouvi de uma menina culta um 'pelas metade', no lugar de 'pela metade'.
E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará:
- Ele pôs a culpa 'ni mim'.

A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios,
em Minas...
Ontem
, uma senhora docemente me consolou: 'preocupa não, bobo!'.
E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras nem se espantam.
Talvez se espantassem se ouvissem um: 'não se preocupe', ou algo assim.
Fórmula mineira é sintética e diz tudo.

Até o tchau, em Minas, é personalizado.
Ninguém diz tchau, pura e simplesmente.
Aqui se diz: 'tchau pro cê', 'tchau pro cês'.
É útil deixar claro o destinatário do tchau..."


Felipe Peixoto Braga Netto diz que nunca publicou nada, mas o trecho acima foi extraído do livro dele, 'As coisas simpáticas da vida', publicada pela "Landy Editora", São Paulo (SP) - 2005, pág. 82. 
 


 

4 comentários:

  1. Inez disse:

    Pois é, de onde é mesmo esse cara ? porque ele pegou na veia...pode não engordar mas, apesar de didaticamente ilegal, esse palavrório mineiro é devera uma delícia. Esses dias andei me lembrando da minha Tia Eta, que voce conheceu, e tinha o maior palavrório mineiro que já conheci.Aliás, foi de lá da casa dela que eu trouxe minha bagagem de mineirices : cafubira , por machucado,pereba; digêro, por ligeiro, anda depressa; num alói de jeito nenhum, por não sai do lugar por nada; delói , por dilui ; derrancado, por destruido, sem jeito... e por aí a fora. E confesso, que gosto muito ( e uso frequentemente ! para espanto de muitos) esse palavreado estrúdio, que veio das terras de São Francisco das Chagas do Rio Paranaiba , terra dos meus pais e onde tive a chance de aprender muito na minha infância . Beijos, Inez de Castro

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  2. Felipe Peixoto Braga Netto (1973) afirma que não é jornalista, não é publicitário, nunca publicou crônicas ou contos, não é, enfim, literariamente falando, muita coisa, segundo suas palavras. Mora em Belo Horizonte e ama Minas Gerais. Ele diz que nunca publicou nada, mas a crônica que apresentamos foi extraída do livro "As coisas simpáticas da vida", Landy Editora, São Paulo (SP) - 2005, pág. 82.

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  3. Confesso que fiquei com inveja do Braga Netto.Gente,como eu gostaria de ter escrito este belo texto sobre a linguagem,das mineiras,e dos mineiros também,é claro.Às vezes é preciso que um ¨não mineiro¨perceba as belas coisas de Minas e escreva sobre elas.Nilson Magno Baptista,mineiro de São João Nepomuceno,uai!

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  4. Pois é!
    Trem danado de bão, ser mineiro, ser de São Jão, como o Nilson o Magno Batista, um amigão.
    Esse linguajar inusitado, com vocabulario requintado, ou "requentado" no fogão de lenha é o diferencial, por isto para Felipe Peixoto Braga Netto é preferencial.
    Texto inteligente, que aquece o ego da gente, que nos deixa pungente.
    Parabéns primeiro ao Felipe pela sua construção e depois a você Angela que gosta de coisas boas como o torresmo mas mineiro.
    Abraços.

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